"O Espiritismo é uma doutrina filosófica de efeitos religiosos como qualquer filosofia espiritualista, pelo que forçosamente vai encontrar-se com as bases fundamentais de todas as religiões: Deus, a Alma e a Vida futura. Mas não é uma religião constituída, visto que não tem culto, nem rito, nem templos e que, entre seus adeptos reais, nenhum tomou o título de sacerdote ou de sumo sacerdote (...). O Espiritismo proclama a liberdade de consciência como direito natural; proclama-a para seus adéptos assim como para todas as pessoas. Respeita todas as convicções sinceras e faz questão de reciprocidade." (Kardec)


terça-feira, 20 de outubro de 2009

Corpo sem alma (espírito)?

Grande discussão surgiu em nosso grupo de estudos quando nos deparamos com a pergunta de número 356 de O Livro dos Espíritos, de Allan Kardec.

A questão era: Pode haver um corpo sem alma (ou espírito)?

Vamos aqui abrir parênteses para as seguintes considerações, que entendemos sejam revelantes no momento: Alma é o Espírito encarnado e que, sem tal revestimento (o corpo físico), torna a ser o que é em seu estado natural, ou seja, Espírito. Portanto, Alma e Espírito querem designar a mesma coisa (perg. 134, L.E.: "Alma é um espírito encarnado. Mas, que era a alma antes de se unir ao corpo? Um Espírito.").

Voltando à questão, para parte dos integrantes do grupo, os Espíritos haviam sido claros ao responderem que sim, que é possível que um corpo tenha se formado sem que a ele estivesse se ligado um espírito. Para a outra parte, no entanto, era inconcebível a ideia de que poderia existir um corpo sem que a ele estivesse ligado um espírito ou, sem que para ele (o corpo) tivesse sido designado um espírito para reencarnar. Para alguns, entretanto, aceitar essa ideia (de corpo sem espírito/alma) seria contradizer tudo aquilo que haviam estudado até então, após anos de estudo dedicado da doutrina, inclusive das obras básicas de Kardec, além da leitura atenta de tantas outras obras, respeitáveis, da doutrina espírita.

Mas, verdade é que lá, no livro compilado e ordenado por Kardec (O Livro dos Espíritos), o mesmo Kardec que escreveu que a reencarnação depende de planejamento prévio e que o espírito é designado para reencarnar antes do instante em que deve se unir ao corpo (perg. 338, L.E.), de modo que o espírio se une ao corpo no momento da concepção cuja união se completa no momento do nascimento (perg. 344, L.E.), está escrito que um corpo físico pode existir sem a alma ou, como preferirmos, sem o espírito (perg. 356, e também 136-A).

Reportemo-nos, então, à pergunta de número 356, de O Livro dos Espirítos:

"356 - Existem natimortos que não foram destinados à encarnação de um Espírito?
- Sim, há os que jamais tiveram um Espírito designado para os seus corpos: nada deviam realizar por eles. É, então, somente pelos pais que essa criança veio.


- Um ser dessa natureza pode chegar a termo?
- Sim, algumas vezes, mas não vive.


- Toda criança que sobrevive ao nascimento, necessariamente tem um Espírito nela encarnado?
-Que seria sem ele? Não seria um ser humano."

Voltemos ainda à pergunta de número 136, também de O Livro dos Espíritos:

"136 - A alma é independente do princípio vital?
- O corpo não é senão um envoltório, repetimo-lo sem cessar.


- O corpo pode existir sem a alma?
- Sim; todavia, desde que cessa a vida do corpo, a alma o abandona. Antes do nascimento, não há ainda união definitiva entre a alma e o corpo; enquanto que depois que essa união está estabelecida, a morte do corpo rompe os laços que o unem à alma, e a alma o deixa. A vida orgânica pode animar um corpo sem alma, mas a alma não pode habitar um corpo privado de vida orgânica.


- Que seria o nosso corpo se não tivesse alma?
- Massa de carne sem inteligência, tudo o que desejardes, menos um homem."

Assim, diante das transcrições acima, para nós, segundo o nosso modesto entendimento, a questão se nos apresenta sem maiores embaraços, com todo respeito ao entendimento e à opinião dos nossos irmãos e companheiros de grupo.


Entendemos que os Espíritos, ao afirmarem, na pergunta de número 356, que "sim, há os (natimortos) que jamais tiveram um Espírito designado para os seus corpos", bem como ao responderem à pergunta de número 136-A ("O corpo pode existir sem a alma? Sim;..."), outra coisa não quiseram nos dizer que não seja que o corpo físico pode existir sem alma.


Concluimos, então, que é possível a cocepção de um corpo sem um espírito ligado a ele e que, nesses casos, logicamente, quando do nascimento (uma vez que pode chegar a termo), o corpo não sobrevive; uma vez que não há uma alma a animá-lo, ter-se-á um natimorto. Isso para nós, porém, não significa que todos os natimortos foram gerados sem que tivessem ligado a si um espírito.


Importante buscarmos aqui, para melhor compreensão do assunto, os conceitos de "princípio vital" e "princípio espiritual". "Princípio vital" exprime a ideia de "vida", ou seja, aquilo que vitaliza a matéria. Porém, o princípio vital tem apenas o efeito de fazer movimentar molecurlamente a matéria. Já o "princípio espiritual" consiste na "razão", ou seja, proporciona o raciocínio; faz agir com inteligência o que antes era um agregado de carne, isto é, o corpo físico. Em suma, o "princípio espiritual" proporciona, por ação do Espírito, a vida de relação.


Os Espíritos nos deixam claro esse entendimento ao afirmarem na parte final da pergunta 136-A, que "a vida orgânica pode animar um corpo sem alma, mas a alma não pode habitar um corpo privado de vida orgânica".


Mas, qual a razão disso (ou seja, da existência de um corpo sem utilidade para reencarnação de um espírito)? Os Espíritos respondem que os natimortos nessa condição vieram pelos pais, somente. Ou seja, vieram em razão da necessidade somente dos pais.


A este respeito, André Luiz, no livro Evolução em Dois Mundos, psicografado por Chico Xavier e Waldo Vieira, no Capítulo 33, p. 107, descreve com propriedade o "fenômeno": "— Como compreenderemos os casos de gestação frustrada quando não há Espírito reencarnante para arquitetar as formas do feto? — Em todos os casos em que há formação fetal, sem que haja a presença de entidade reencarnante, o fenômeno obedece aos moldes mentais maternos. Dentre as ocorrências dessa espécie há, por exemplo, aquelas nas quais a mulher, em provação de reajuste do centro genésico, nutre habitualmente o vivo desejo de ser mãe, impregnando as células reprodutivas com elevada percentagem de atração magnética, pela qual consegue formar com o auxílio da célula espermática um embrião frustrado que se desenvolve, embora inutilmente, na medida de intensidade do pensamento maternal, que opera, através de impactos sucessivos, condicionando as células do aparelho reprodutor, que lhe respondem aos apelos segundo os princípios de automatismo e reflexão. Em contrário, há, por exemplo, os casos em que a mulher, por recusa deliberada à gravidez de que já se acha possuída, expulsa a entidade reencarnante nas primeiras semanas de gestação, desarticulando os processos celulares da constituição fetal e adquirindo, por semelhante atitude, constrangedora dívida ante o Destino."


Cabe, então perguntar, sob o ponto de vista prático, como saber se ao corpo está ou não ligado um espírito? Os Espíritos nos esclarecem que nem tudo nos é permitido conhecer. Assim, entendemos que a Sabedoria Divina (a qual tem seus propósitos que muitas vezes, na maioria delas, desconhecemos) limitou-se a permitir-nos pura e simplesmente saber que existe a possibilidade de um corpo ser gerado sem que a ele esteja ligado um espírito ou sem que para ele tenha sido designado um espírito para reencarnar. No entanto, não nos deixou uma "receita" ou uma prescrição de como saber se tal ou qual feto está destinado à reencarnação de um espírito. Cremos que, se o Criador assim o quisesse, se julgasse-nos capazes de compreender tal informação, se reconhecesse que não incidiríamos em excessos ou novos erros de posse de tal informação e se, por fim, não estivéssemos em estágios probatórios complexos, onde somos "medidos" e "testados" sob todos os ângulos do nosso caráter moral, teria o Criador permitido a divulgação dessa informação por meio dos Espíritos, assim como o fez em relação às demais.


Muito interessante e importante, neste aspecto, o esclarecimento e o alerta da respeitável Dra. Marlene Nobre ao discorrer sobre a questão do anencéfalo no endereço eletrônico da Associação Médico-Espírita do Brasil, o qual pedimos venia para transcrevermos: "Os confrades favoráveis ao aborto do anencéfalo alegam que nele não há Espírito destinado à reencarnação conforme explica O Livro dos Espíritos. Aqui, detectamos um erro clássico: não se pode basear unicamente em uma resposta dos Instrutores Espirituais. Levantemos todas as respostas que eles nos dão acerca da formação dos seres humanos e destaquemos as mais importantes para a elucidação deste assunto. Dizer que há corpo sem espírito, não significa dizer que determinado “tipo” ou grupo de corpos (ou embriões, no caso os embriões originados da fecundaçao ‘in vitro’) não possui espírito, mas sim que pode haver a possibilidade de se gerar um corpo sem espírito". E acrescenta: "Na questão 344, eles afirmam que a união da alma com o corpo dá-se no momento da concepção; um pouco mais adiante, na de nº 356, advertem que há corpos para os quais nenhum Espírito está destinado, explicando que isto acontece como prova para os pais. E ainda no desdobramento desta questão enfatizam que a criança somente será um ser humano se tiver um espírito encarnado. Se juntarmos todas estas respostas, concluiremos que os corpos para os quais poderíamos afirmar que nenhum espírito estaria destinado seriam os dos fetos teratológicos, monstruosos, que não têm nenhuma aparência humana, nem órgãos em funcionamento. Como vimos, nada disto se aplica ao anencéfalo, porque o espírito comanda, ainda que precariamente, um organismo vivo (um corpo pode ter vida orgânica- onde tudo funciona direitinho – sem, entretanto, possuir um espírito. Porém, um corpo jamais poderá ter um espírito se desprovido da vida orgânica)".


Para finlizarmos, apenas uma ressalva nos apresenta relevante: vale destacar que os Espíritos nos adverte, tanto na pergunta de número 356, quanto na de número 136, que, embora seja possível a existência de um corpo sem alma/espírito, tal não pode ser considerado um humano. Com efeito, ser humano é um corpo material, animado por um princípio orgânico (princípio vital), somado a um princípio inteligente (princípio espiritual). Sem um dos dois requisitos, não podemos dizer que é um ser humano ("Não seria um ser humano" - pergunta 356-B; "Massa de carne sem inteligência, tudo o que desejardes, menos um homem" - pergunta 136-B). No trecho transcrito acima, a Dra. Marlene Nobre acrescenta que seriam os fetos teratológicos, mosntruosos, que não têm nenhuma aparência humana, nem órgãos em funcionamento. Entendemos, porém, que quando os Espíritos se referem a "corpo de carne", ägregado de carne", "massa de carne", não querem se referir à forma do corpo propriamente dita, nestes casos, ou seja, de corpos sem alma/espírito, mas pura e simplesmente à constituição material desses fetos, pois, sem dúvida, um corpo sem alma não passa de uma massa de carne onde a inteligência nunca irá habitar. Em suma, no dizer dos Espíritos, "seria tudo, menos um ser humano".


Enfim, a partir do tema aqui abordado, sugerimos, sem qualquer pretensão, que os queridos leitores possam refletir sobre questões tais como aborto, aborto de anencéfalo, métodos contraceptivos, embriões congelados, células tronco, temas estes intimamente ligados com o assunto aqui modestamente exposto e, assim, incitamos os caros irmãos à leitura salutar e à busca do conhecimento.

6 comentários:

  1. Mesmo após algum tempo após a postagem gostaria de dizer que foi muito bem abordado este estudo, este discernimento, bem lógico com a Doutrina Espírita. Tivemos também esta dúvida, houveram os "sim" e os "não". Parabéns! Sérgio.

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  2. Anônimo9/5/12 13:17

    Maravilhoso vc respondeu a uma dúvida que surgiu também em nosso grupo de estudo,e eu fiquei encarregada de sanar,adorei a explicação e vou repassar,muito obrigada!

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  3. engraçado que está tudo muito bem escrito e esclarecido por Kardec, mas mesmo assim, não sei se por questões pessoais ou por falta de atenção nas leituras das obras básicas (ou falta de leitura) as pessoas continuam a pensar de maneira tão dura em relação a esse tema...

    Mas devemos continuar respeitando as diferentes opiniões e pensamentos!

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  4. Excelente raciocínio. No nosso grupo de estudos também tivemos essa dúvida. Muito obrigada por saná-la.

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  5. Hoje, lendo o Livro dos Espíritos, me veio essa dúvida, quanto a pergunta 136. Agradeço o esclarecimento.

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  6. A Doutrina Teosófica de Blavatsky é categórica em afirmar que existem seres humanos que não são humanos por não possuírem Alma ou Espírito. Estes portanto são mortais por natureza, e tais seres são chamados "zumbis" ou "desalmados", menos um ser humano. Também é categórica em afirmar que a grande maioria destas criaturas (senão todas) são a materialização de larvas astrais, da crueldade do ser humano. Tais zumbis ou desalmados são essencialmente maldosos e cruéis e são involutivos, pois desaparecerão para sempre.

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