"O Espiritismo é uma doutrina filosófica de efeitos religiosos como qualquer filosofia espiritualista, pelo que forçosamente vai encontrar-se com as bases fundamentais de todas as religiões: Deus, a Alma e a Vida futura. Mas não é uma religião constituída, visto que não tem culto, nem rito, nem templos e que, entre seus adeptos reais, nenhum tomou o título de sacerdote ou de sumo sacerdote (...). O Espiritismo proclama a liberdade de consciência como direito natural; proclama-a para seus adéptos assim como para todas as pessoas. Respeita todas as convicções sinceras e faz questão de reciprocidade." (Kardec)


terça-feira, 13 de julho de 2010

Estranha moral

Introdução

No capítulo XXIII, de "O Evangelho Segundo o Espiritismo", sob o título de "Estranha moral", o Codificador reuniu algumas palavras ou pregações de Jesus que, à primeira vista, soam-nos tão estranhas, tornam-se tão contrastantes com os esinamentos evangélicos do Mestre de amor e caridade, que nos recusamos, por vezes, a aceitar ou a admitir que o Cristo as teria proferido.

Forçoso seria concluir que, ou foram mal reproduzidas/traduzidas, ou mal compreendidas, ou, então, não seriam de Jesus.

Entretanto, verdade é que essas palavras se encontram inseridas nos Evangelhos e devem, porém, ser interpretadas no contexto geral dos ensinamentos do Mestre.


Ademais, o próprio Kardec recomenda-nos que devemos ler a Bíblia e nos esclarece que o Livro Sagrado não é este livro cheio de erros e equívocos como possam alguns pensar, mas que, na verdade, nós é que nos equivocamos ao interpretá-lo. (Questão 59, de "O Livro dos Espíritos").


Por essa razão, devemos procurar o sentido oculto das Sagradas Escrituras, ou seja, o sentido real das palavras de Jesus em lugar da interpretação literária.

Sabemos que muito o Cristo nos falou por parábolas e  Ele próprio nos dá a explicação para isso, além de nos alertar para o fato de que, naquele tempo, nem tudo nos seria permitido ou possível entender: "E chegando-se a ele os discípulos lhe disseram: porque razão lhes fala tu por parábolas? Ele, respondendo, lhe disse: Porque a vós outros é dado saber os mistérios do reino dos Céus, mas a eles não lhe é concebido. (...) Falo em parábolas, porque eles vendo não vêm, e ouvindo não ouvem, nem entendem" (Mateus, cap. XIII, v. 10 a 15).

Importante ainda, antes de  analisarmos cada uma dessas passagens, fazermos algumas ressalvas.


Primeiramente, nenhum Evangelho foi escrito antes da morte de Jesus, o que nos leva a crer que ou o fundo de seu pensamento nao foi expresso de forma fiel, ou, o que é bem provável, o sentido primitivo das suas palavras pode ter sofrido alteração quando de sua tradução.


Vale lembrar que os Evangelhos, escritos somente 50 anos depois da crucificação, visto que Jesus nada escreveu, foram escritos em grego, enquanto que Jesus falava hebraico e, em algumas situações, falava aramaico.

Juntando-se a isso, palavras que por vezes usamos para designar várias coisas diferentes, na língua hebraica (a usada por Jesus) eram usadas para designar  uma única coisa, de modo que as divergências de conceito só existem no texto grego.Por outro lado, ainda é preciso levar em consideração a época em que foram escritas e os costumes e o caráter do povo da época em que foram escritas, o que influencia diretamente no pensamento e na linguagem que expressam, assim como também o grau de entendimento daqueles que escreveram, dentre outras coisas.


Portanto, para uma melhor interpretação dos textos sagrados é imprescindível que conheçamos em que época eles foram escritos, para quem foram escritos e porquê foram escritos.

É neste sentido que Kardec, no item 3 de "O Evangelho Segundo o Espiritismo", nos adverte de que "essas observações terão uma aplicação especial na interpretação das Santas Escrituras - e particularmente dos Evangelhos. Se não se leva em conta o meio em que Jesus vivia, corre-se o risco de enganar-se sobre o valor de certas expressões e de certos fatos, em consequência do hábito que se tem de comparar o outro consigo mesmo."

Feitas tais considerações passeremos à análise de cada uma dessas passagens mencionadas por Kardec no capítulo XXIII, de "O Evangelho Segundo o Espiritismo", buscando, sem qualquer pretensão, um entendimento simples, porém coerente, à luz da Doutrina Espírita e dos reais ensinamentos do Mestre.

***

-I-
"Ele (Jesus) se voltou (para a multidão) e lhes disse: Se alguém vem a mim, e não odeia seu pai e sua mãe, sua mulher e seus filhos, seus irmãos e irmãs, e até sua própria vida, não pode ser meu discípulo. E quem não carrega sua cruz, e não me segue, não pode ser meu discípulo. Assim, todo aquele entre vós que não renuncia a tudo o que tem, não pode ser meu discípulo." (Lucas, cap. XIV, v. 25, 26, 27 e 33).

"Aquele que ama a seu pai ou a sua mãe mais do que a mim, não é digno de mim; aquele que ama a seu filho ou a sua filha mais do que a mim, não é digno de mim."  (Mateus, cap. X, v. 37).

Como seria possível que o mesmo Cristo que pregava amor e caridade pudesse nos recomendar que odiássemos alguém, principalmente pai e mãe, filho e filha, irmãos e irmãs e até mesmo a própria vida?

Vale ressaltar, antes, que em nota ao item 3, do capítulo XXIII, de "O Evangelho Segundo o Espiritismo", Kardec assinala que a palavra "odiar" vem do latim "non odit" e do grego "kaï" ou "miseï", e quer dizer "amar menos", ou seja, é o equivalente a "não amar tanto quanto", "da mesma forma que a um outro".

Entretanto, quando Jesus nos recomenda que "odiemos" pai e mãe, filho e filha, irmãos e irmãs, o Mestre nos recomenda que, se quisermos ser seus discípulos e segui-lo, ou seja, seguir seus exemplos e ensinamentos, devemos deixar de lado todo e qualquer apego excessivo de nossas paixões para com aqueles com quem convivemos, compreendendo que somos todos irmãos em Cristo, filhos de um único Criador e que fomos todos criados com igualdade de oportunidades.

Com efeito, sob o pretexto de amar aqueles que nos são caros, procuramos mascarar todos os nossos sentimentos obsessivos e de posse daqueles que nos são mais próximos, acreditando, assim, que nossos sentimentos expressam o amor verdadeiro. É muito comum usarmos expressões do tipo "meu pai", "minha mãe", "meu filho", "minha esposa", "meu irmão", como se eles fossem de nossa propriedade e como se fossem os únicos que deveríamos amar. A razão disso é a de que ainda não amamos de forma suficiente e verdadeira. Não amamos ainda no sentido real da palavra Amor como Jesus a emprega. 


Amar significa respeitar. Respeitar os limites de cada um, deixando-os livres para as suas próprias escolhas, de forma desinteressada, sem exigir-lhes a contraprestação. É entender que todos estamos em constante aprendizado e precisamos evoluir e que a individualidade faz parte de nossa evolução, assim como a nossa própria liberdade.


Entretanto, não nos culpemos por isso. É natural que seja assim, eis que ainda não estamos suficientemente elevados (moral, intelectual e espiritualmente) para amarmos. O que sentimos, portanto, são paixões. Somos apaixonados por aqueles que nos cercam e que com nós possam conviver de maneira mais intensa. Isso ocorre porque no início, em nosso ponto de partida, desde a criação, éramos detentores tão somente dos instintos; mais elevados (assim como o somos hoje), possuímos sensações ou paixões; futuramente, um pouco mais lapidados, instruídos e purificados, e tendo avançado mais alguns degraus na escala da evolução, teremos sentimentos, de modo que o amor é o mais sublime e requintado dos sentimentos ("O Evangelho Segundo o Espiritismo", de Allan Kardec, cap. XI, item 8). Então finalmente saberemos o que é amar.

O que o Cristo nos esclarece nessa passagem é que somente poderemos ser seus discípulos quando compreendermos o sentido real da palavra Amor, o que equivale dizer que somente seremos discípulos do Cristo  quando conseguirmos enxergar o nosso próximo como verdadeiros irmãos. E o Mestre tinha total convicção disso quando indaga "quem é minha mãe, e quem são os meus irmãos?", ao que Ele próprio esclarece: "Eis aqui, lhes disse olhando para os que estavam sentados à roda de si, minha mãe e meus irmãos. Porque o que fizer a vontade de Deus, esse é meu irmão, e minha irmã e minha mãe" (Marcos, III: 20-21 e 31-35 – Mateus, XII: 46-50). Para Jesus, todos somos irmãos, filhos de um único Pai: Deus. Esse, então, é o verdadeiro amor.

Um exemplo disso, lembremo-nos da primeira visita de André Luiz à família após o seu desencarne, no livro "Nosso Lar", cap. 49 - "Regressando à casa", psicografia de Chico Xavier, quando o amigo espiritual nos narra a sua experiência de voltar ao lar e encontrar a ex-companheira, que tanto amou quando vestia-se do corpo físico, na companhia de outro homem, cujo trecho aqui tomamos a liberdade de transcrever:

          "Um corisco não me fulminaria com tamanha violência. Outro homem se apossara do meu lar. A esposa (Zélia) me esquecera. A casa não mais me pertencia. Valia a pena de ter esperado tanto para colher semelhantes desilusões? Corri ao meu quarto, verificando que outro mobiliário existia na alcova espaçosa. No leito, estava um homem de idade madura, evidenciando melindroso estado de saúde. Ao lado dele, três figuras negras iam e vinham, mostrando-se interessadas em lhe agravar os padecimentos.
          De pronto, tive ímpetos de odiar o intruso com todas as forças, mas já não era eu o mesmo homem de outros tempos. O Senhor me havia chamado aos ensinamentos do amor, da fraternidade e do perdão. Verifiquei que o doente estava cercado de entidades inferiores, devotadas ao mal; entretanto, não consegui auxiliá-lo imediatamente.
          Assentei-me, decepcionado e acabrunhado, vendo Zélia entrar no aposento e dele sair, várias vezes, acariciando o enfermo com a ternura que me coubera noutros tempos, e, depois de algumas horas de amarga observação e meditação, voltei, cambaleante, à sala de jantar, onde encontrei as filhas conversando. Sucediam-se as surpresas. A mais velha casara-se e tinha ao colo o filhinho. E meu filho? Onde estaria ele?
          (...)
          - Vim vê-los, mamãe - exclamou a primogênita -, não só para colher notícias do Dr. Ernesto, como também porque, hoje, singulares saudades do papai me atormentam o coração. Desde cedo, não sei por que penso tanto nele. É uma coisa que não sei bem definir...
          Não terminou. Lágrimas abundantes borbotavam-lhe dos olhos.
          Zélia, com imensa surpresa para mim, dirigiu-se à filha autoritariamente:
          - Ora essa! Era o que nos faltava!... Aflitíssima como estou, tolerar as suas perturbações. Que passadismo é esse, minha filha? Já proibi a vocês, terminantemente, qualquer alusão, nesta casa, a seu pai. Não sabe que isso desgosta o Ernesto? Já vendi tudo quanto nos recordava aqui o passado morto; modifiquei o aspecto das próprias paredes, e você não me pode ajudar nisso?
          A filha mais jovem interveio, acrescentando:
          - Desde que a pobre mana começou a se interessar pelo maldito Espiritismo, vive com essas tolices na cachola. Onde já se viu tal disparate? Essa história dos mortos voltarem é o cúmulo dos absurdos.
          A outra, embora continuasse chorando, falou com dificuldade:
          - Não estou traduzindo convicções religiosas. Então é crime sentir saudades de papai? Vocês também não amam, não têm sentimento? Se papai estivesse conosco, seu único filho varão não andaria, mamãe, a praticar por aí tantas loucuras.
          - Ora, ora - tornou Zélia, nervosa e enfadada -, cada qual tem a sorte que Deus lhe dá. Não se esqueça de que André está morto. Não me venha com lamúrias e lágrimas pelo passado irremediável.
          (...)
          Angústias e decepções sucediam-se de tropel. Minha casa pareceu-me, então, um patrimônio que os ladrões e os vermes haviam transformado. Nem haveres, nem títulos, nem afetos! Somente uma filha ali estava de sentinela ao meu velho e sincero amor.
          (...)
          À tardinha, Clarêncio passou, oferecendo-me o cordial da sua palavra amiga e reta. Percebendo meu abatimento, disse, solícito:
          - Compreendo suas mágoas e rejubilo-me pela ótima oportunidade deste testemunho. Não tenho diretrizes novas. Qualquer conselho de minha parte, portanto, seria intempestivo. Apenas, meu caro, não posso esquecer que aquela recomendação de Jesus para que amemos a Deus sobre todas as coisas e ao próximo como a nós mesmos, opera sempre, quando seguida, verdadeiros milagres de felicidade e compreensão, em nossos caminhos.
          (...)
          Então, em face da realidade, absolutamente só no testemunho, comecei a ponderar o alcance da recomendação evangélica e refleti com mais serenidade. Afinal de contas, por que condenar o procedimento de Zélia? E se fosse eu o viúvo na Terra? Teria, acaso, suportado a prolongada solidão? Não teria recorrido a mil pretextos para justificar novo consórcio? E o pobre enfermo? Como e por que odiá-lo? Não era também meu irmão na Casa de Nosso Pai? Não estaria o lar, talvez, em piores condições, se Zélia não lhe houvesse aceitado a aliança afetiva? Preciso era, pois, lutar contra o egoísmo feroz. Jesus conduzira-me a outras fontes. Não podia proceder como homem da Terra. Minha família não era, apenas, uma esposa e três filhos na Terra. Era, sim, constituída de centenas de enfermos nas Câmaras de Retificação e estendia-se, agora, à comunidade universal. Dominado de novos pensamentos, senti que a linfa do verdadeiro amor começava a brotar das feridas benéficas que a realidade me abrira no coração."

-II-
"Todo aquele que tiver deixado casa, ou irmãos, ou irmãs, ou pai, ou mãe, ou mulher, ou filhos, ou terras, por causa de meu nome, receberá o cêntuplo, e herdará a vida eterna" (Mateus, cap. XIX, v. 29).

"Disse então Pedro: Quanto a nós, vistes que deixamos tudo e vos seguimos. Jesus lhes disse: Em verdade eu vos digo, não haverá quem deixe casa, ou pai e mãe, ou irmãos, ou mulher, ou filhos, pelo reino de Deus, sem que receba muito mais, ainda neste mundo, e a vida eterna no século que virá" (Lucas, cap. XVIII, v. 28, 29 e 30).

"Outro lhe disse: Senhor, eu te seguirei, mas permita-me antes dispor do que tenho em minha casa. Jesus lhe respondeu: Quem toma o arado e olha para trás não está apto para o reino de Deus" (Lucas, cap. IX, v. 61 e 62).


Jesus promete àquele que consegue se livrar do apego excessivo uma recompensa: "receberá o cêntuplo e herdará a vida eterna". No entanto, Jesus adverte que não haverá quem se livre do apego excessivo e que "receba muito mais, ainda neste mundo, e a vida eterna no século que virá".

Fica evidenciado, portanto, pelas palavras de Jesus, que somos detentores de uma vida eterna e futura e que essa vida eterna não herdaremos no século que virá. Ou seja, essa vida eterna será fruto de várias e árduas experiências ou existências e que a herdaremos como recompensa pela elevação do nosso Espírito. Isso equivale dizer que o Espírito sobrevive à morte do corpo físico e possui vida infinita (a vida espiritual), a qual é a verdadeira vida, de modo que terá a vida eterna (entendendo esta como o estágio em que o espírito consegue atingir os graus elevados da escala da evolução espiritual) como recompensa após ter vivido ou passado por outras vidas.


Além disso, Jesus também esclarece que a recompensa não virá neste mundo, evidenciando que além de a nossa existência presente não ser a nossa única existência, o nosso mundo atual também não é o único plano habitado no Universo e, ainda, que o nosso mundo é local de aprendizado, mundo de provas e expiações, sendo que avançaremos tão somente de acordo com o nosso aprendizado.


"A felicidade não é deste mundo", "meu reino não é deste mundo" (João, cap. XVIII, v. 33, 36 e 37), já nos advertiu o Mestre. Entretanto, a felicidade começa aqui, na vida presente, da qual dependerá, posto que a nossa felicidade ou infelicidade futura dependerá daquilo que cultivarmos hoje, pois "colheremos, obrigatoriamente, tudo aquilo que plantarmos". Lembremo-nos: não receberemos muito mais ainda neste mundo; muito pouco aqui receberemos. Porém, este mundo é o caminho para a recompensa futura. Tal é ainda a condição para provar a nossa paciência e a nossa capacidade de resignação perante as dificuldades da caminhada e das nossas próprias expiações.


Consequentemente, sendo a vida espiritual a única e verdadeira vida, o maior tesouro que poderemos ajuntar sobre a Terra (vida presente), e o único que poderemos levar para a vida eterna (vida futura) e que jamais perecerá, é o patrimônio espiritual, o que equivale dizer que "os interesses da vida futura sobrepõem-se aos interesses e a todas as considerações humanas". Ou seja, devemos nos ocupar dessa vida futura e nos prepararmos para ela, aproveitando as oportunidades presentes, reparando os nossos erros o quanto antes e nos reconciliando com a nossa própria consciência o máximo possível ainda nesta vida para que a futura nos seja mais salutar e que nela possamos receber ainda mais.

Todo o bem material que amealharmos na carne irá, portanto, transferir-se para aquele que tiver a legitimidade de lhe possuir (também na carne) e, consequentemente, perecerá. Porém, os bens espirituais jamais perecerão e jamais serão transferidos a quem quer que seja; os levaremos para onde quer que iremos. Uma vez adquirido, jamais o perderemos.


Sendo a vida espiritual a verdadeira vida, o verdadeiro bem é todo aquele que diz respeito às coisas do espírito e não da matéria, ou seja, é todo e qualquer aprendizado intelectual que pudermos adquirir, toda e qualquer vitória sobre as nossas inclinações e/ou vícios morais que conseguirmos e toda e qualquer evolução espiritual que alcançarmos, por meio das diversas oportunidades que o Criador nos dá através da experiência e da vivência diárias, uma vez que a existência material é escola para o Espírito. Deste patrimônio, porém, seremos eternos detentores. Este o nosso maior tesouro.


Eis aí a importância de nos melhorarmos, uma vez que só seremos dignos da verdadeira felicidade - do reino de Deus - quando provocarmos a nossa própria mudança interior (a tão falada reforma íntima), quando rompermos com todos os nossos vícios morais e com todas as nossa inclinações malévolas, bem como quando suportarmos corajosamente todas as nossas vicissitudes, para que então possamos transpor as barreiras escuras que nos separam do regozijo eterno.

Por fim, Jesus segue nos alertando de que é preciso não olhar para trás: "quem toma o arado e olha para trás não está apto para o reino de Deus".


Ou seja, fomos criados simples e ignorantes, à imagem e à semelhança do Criador. Fomos criados, portanto, para evoluirmos. Assim, caminhamos sempre adiante, jamais retrocedemos. O passado será sempre lembrança para o aprendizado presente e construção do futuro; jamais prisão onde remoemos constantemente os nossos erros e deslizes. O tomemos tão somente como exemplo para não mais sofrermos pelo que já sofremos antes. E, uma vez que adquirimos os bens que compõem o nosso "patrimônio espiritual" (ou parte dele), não mais seremos esbulhados de sua posse.


Se, por acaso, retrocedermos (olharmos para trás) é porque então nao havíamos ainda adquirido aquele bem, ou seja, não havíamos ainda "tomado o arado"; não havíamos ainda nos depurado espiritualmente, de modo que não estávamos aptos ainda para o reino de Deus. Não havíamos nos transformado verdadeiramente. Sendo assim, teremos de recomeçar, voltar e retomar o caminho, para reconstrução do passado, construção do presente e planejamento do futuro. Tal se opera pelo abençoado mecanismo da Reencarnação!

-III-
"Disse a outro: Segue-me. E ele lhe respondeu: Senhor, permite que antes eu vá enterrar a meu pai. Jesus lhe respondeu: Deixe que os mortos enterrem os seus mortos; quanto a ti, vai anunciar o reino de Deus." (Lucas, cap. IX, v. 59, 60).

Jesus aqui se refere àqueles que ignoram os ensinamentos, que os desconhecem por completo. Refere-se àqueles que "têm ouvidos mas não ouvem, que têm olhos mas não enxergam". Ou seja, refere-se àqueles que têm a visão limitada e não conseguem vislumbrar senão a vida presente, sem que possam dar qualquer importância à vida espiritual que é a única e verdadeira vida.

Aliado a isso, Jesus nos alerta de que já nos foi dado o conhecimento, porém, ainda estamos cegos e quase sempre somos incapazes de absorver o aprendizado. Insistimos nos erros pretéritos e relutamos para não renovar.

Jesus prescreve que basta que sigamos adiante, pois já temos condições suficientes para irmos anunciar o Reino de Deus e partilhá-lo com o nosso próximo, porque Ele já passou pela Terra e já nos trouxe a Boa Nova. Basta nos atentarmos para isso e nos desvencilharmos dos velhos e prisioneiros pensamentos, libertando-nos das amarras da ignorância.


Sobre a questão, precioso é o ensinamento de Emmanuel, no livro "Fonte Viva", psicografia de Chico Xavier, cap. 143, intitulado "Acorda e ajuda", cujo trecho transcrevemos abaixo:


          "Jesus não recomendou ao aprendiz deixasse 'aos cadáveres o cuidado de enterrar os cadáveres', e sim conferisse 'aos mortos o cuidado de enterrar os seus mortos'."
          Há, em verdade, grande diferença.
        O cadáver é carne sem vida, enquanto que um morto é alguém que se ausentada vida.
          Há muita gente que perambula nas sombras da morte sem morrer.
          Trânsfugas da evolução, cerram-se entre as paredes da própria mente, cristalizados no egoísmo ou na vaidade, negando-se a partilhar a experiência comum.
          Mergulham-se em sepulcros de ouro, de vício, de amargura e ilusão. Se vitimados pela tentação da riqueza, moram em túmulos de cifrões; se derrotados pelos hábitos perniciosos, encarceram-se em grades de sombra; se prostrados pelo desalento, dormem no pranto da bancarrota moral, e, se atormentados pelas mentiras com que envolvem a si mesmos, residem sob as lápides, dificilmente permeáveis, dos enganos fatais. (...)"


-IV-
"Não penseis que vim trazer a paz à Terra. Não vim trazer a paz, mas a espada. Pois vim separar o homem do pai, a filha da mãe, e a nora da sogra; e os homens terão como inimigos os próprios familiares." (Mateus, cap. X, v. 34, 35 e 36).

"Eu vim lançar fogo à Terra, e como desejava que já estivesse aceso! Devo receber um batismo, e como me angustio para que ele se cumpra!
Acreditai que vim trazer a paz à Terra? Não, eu vos asseguro, mas a divisão. Pois doravante, se se encontram cinco pessoas numa casa, serão divididas umas contra as outras: três contra duas e duas contra três. O pai estará contra o filho, e o filho contra o pai; a mãe contra a filha, e a filha contra a mãe; a sogra contra a nora, e a nora contra a sogra." (Lucas, cap. XII, v. 49 a 53).


Talvez estas sejam as mais duras palavras usadas por Jesus e que, tanto ou mais que as anteriores aqui citadas, acabam por nos chocar quando lembramos da sua imagem doce, amável, compreensiva e fraterna.


Entretanto, Jesus tinha pleno conhecimento de que todo pensamento novo gera oposições e resistências. Sabia que seria tarefa árdua falar em amar os inimigos, oferecer a face esquerda àquele que lhe bate na direita, perdoar o ofensor setenta vezes sete vezes a um povo absolutamente sedendo de caridade e que tinha como base a Lei de Talião, do "olho por olho, dente por dente", e que não viam senão a satisfação dos próprios interesses como meio de triunfo perante aqueles que com eles disputavam as conquistas materiais.


É neste sentido que Jesus dizia ter vindo à Terra trazer a espada, a divisão e lançar fogo. O Mestre sabia que sua doutrina não se estabeleceria pacificamente e que seus ensinamentos não seriam compreendidos de pronto. E assim o foi, tanto que o crucificamos e, mesmo depois de mais de dois mil anos, ainda não compreendemos o seu Evangelho; estamos sempre buscando e defendendo a melhor interpretação e, infelizmente, sempre nos equivocando.


E quando Jesus diz que lançaria fogo à Terra e que ansiava para que esse fogo já estivesse aceso e ainda que receberia um batismo e que o esperava desejoso de que logo acontecesse, o Mestre expressa o seu sentimento de que desejava que já estivéssemos libertos das amarras da ignorância que ainda nos prende e não nos permite caminhar mais adiante rumo à evolução espiritual. Jesus lamenta que ainda levaria muito tempo para que colocássemos em prática a sua máxima "conhecereis a Verdade e a Verdade vos libertará". O Mestre espera ansioso pelo batismo que receberia porque sabia que o seu "batismo" mudaria para sempre a história da Humanidade. E o batismo ao qual se referia era o "batismo de sangue", ou seja, a sua crucificação.


Por fim, quando Jesus afirma que uns se voltariam contra os outros, esclarece que os seus adeptos ainda sofreriam perseguições por causa de seu nome por muito tempo e seriam, em muitas ocasiões, rechaçados por seus opositores. Perseguições religiosas se levantariam por todo o Planeta em guerras sangrentas. Os seus ensinamentos seriam recebidos, ainda, de forma divergentes por muitos e não seriam vistos por todos de forma universal. Muitas controvérsias ainda viriam sobre a Terra até que todos os homens pudessem se esclarecer e conhecer a Verdade para que, então libertos, pudessem se apaziguar e viver em união e fraternidade. Muitas discórdias e ofensas ainda aconteceriam até que esse dia chegasse.

***

Enfim, para refletirmos, resta-nos aqui o conselho esclarecedor de Emmanuel, inserido na obra acima citada:

          "Aprende a participar da luta coletiva.
       Sai, cada dia, de ti mesmo, e busca sentir a dor do vizinho, a necessidade do próximo, as angústias do teu irmão e ajuda quanto possas.
          Não te galvanizes na esfera do próprio 'eu'.
          Desperta e vive com todos, por todos e para todos, porque ninguém respira tão-somente para si.
      Em qualquer parte do Universo, somos usufrutuários do esforço e do sacrifício de milhões de existências.
        Cedamos algo de nós mesmos, em favor dos outros, pelo muito que os outros fazem por nós. (...)"

10 comentários:

  1. MARIA LUIZA13/1/12 14:28

    OlÁ MICHELLA, BOA TARDE!
    TD BOM AMIGA? FELIZ 2012 PRA VC!
    MICHELLA, MEU NOME É MARIA LUIZA, MORO EM BH, MINAS, ESTOU ORADORA DE CASAS ESPÍRITAS AQUI EM BELÔ E PESQUISANDO O CAP XXIII ITEM 1 DO EVANGELHO, ENCONTREI ESTE SEU ARTIGO, MTO COMPLETO SOBRE O ASSUNTO. QRO PEDIR-LHE SE VC NÃO PODE ME ENVI=A-LO POR EMAIL, EM MEU SLIDE POSSO COM TODO CARINHO E ATENÇÃO COLOCAR E SEMPRE COLOCO A FONTE DAS MINHAS INFORMAÇÕES/CITAÇÕES. SERÁ POSSÍVEL VC ME ENVIAR ESTE TEXTO POR EMAIL? DEPOIS POSSO ENVIAR-LHE A MINHA PALESTRA PRA VC VER SE FICOU BOM! RS AGUARDO UMA RESPOSTA, AMIGA. TENHO ESSA TAREFA PRA DIA 26 DE JANEIRO. MTO OBRIGADA DESDE JÁ, POIS IREI LER TODO O TEXTO, AGORINHA... ABRAÇÃO.
    MARIA LUIzA CAMARGOS - BH MINAS
    camargosbrito@hotmail.com

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  2. Parabéns pela pesquisa e clareza dos comentários, Michella.

    Abraço fraterno,

    Alziro Valejo / ES
    avalconsultoria@gmail.com

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  3. Olá Michella.
    Parabéns pela pesquisa e pela clareza do texto.

    Abraço fraterno,

    Alziro Valejo / ES
    avalconsultoria@gmail.com

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  4. Adorei encontrar esse texto.Estou preparando uma palestra "ESTRANHA MORAL" e vai me ajudar bastante. Obrigada
    Aparecida Machado

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    1. Que bom, irmã Aparecida Machado. Espero que sejamos bastantes úteis ao seu trabalho. abraço fraterno!

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  6. Boa tarde Michella
    Pesquisando agora este tema, que devo apresentar na próxima terça feira, 01.12.15, no meu grupo de estudos do Instituto Espírita "Leocádio José Correia", de Santa Maria/Rs, pertencente a FEB, me deparei com este teu que gostei muito. Tentei copiá-lo, para imprimir, como sempre faço, indicando autor, fontes de consulta etc, mas não consegui. Vou apresentar o item 4. Deixar pai, mãe e filhos. E como temos meia hora para apresentação e debates, sempre faço um resumo do material que mais me agradou... poderias me ajudar, mandando este artigo para o meu e-mail? Com certeza, será de grande valia para o meu grupo.
    meu nome: Lilia Manjon da Cunha
    e-mail: lmanjondacunha6@gmail.com
    um abraço fraterno

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    1. Bom dia, Lilia! Encaminhei no seu e-mail.
      Abraço!

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  7. Sou estudiosa do Evangelho e, gostei muito do seu trabalho. Parabéns!

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  8. Obrigada Michella, seu texto ajudou-me muito. Muita luz em seu caminho!

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