"O Espiritismo é uma doutrina filosófica de efeitos religiosos como qualquer filosofia espiritualista, pelo que forçosamente vai encontrar-se com as bases fundamentais de todas as religiões: Deus, a Alma e a Vida futura. Mas não é uma religião constituída, visto que não tem culto, nem rito, nem templos e que, entre seus adeptos reais, nenhum tomou o título de sacerdote ou de sumo sacerdote (...). O Espiritismo proclama a liberdade de consciência como direito natural; proclama-a para seus adéptos assim como para todas as pessoas. Respeita todas as convicções sinceras e faz questão de reciprocidade." (Kardec)


terça-feira, 3 de novembro de 2009

Apresentando "O Livro dos Espíritos"


              "Filosofia espiritualista contendo os princípios da Doutrina Espírita sobre a imortalidade da alma, a natureza dos Espíritos e suas relações com os homens, as leis morais, a vida presente, a vida futura e o porvir da Humanidade, segundo o ensinamento dos Espíritos superiores, através de diversos médiuns, compilados e ordenados por Allan Kardec."

Sabe qual é o meu nome?

Chamo-me "O Livro dos Espíritos" (Le Livre des Esprits), mas pode me chamar simplesmente de LE, e apresento-me em forma de perguntas e respostas. Ao todo, são 1.019 questões dirigidas àqueles que Kardec chamou de Espíritos. Fui o primeiro de uma série de cinco livros (O Livro dos Espíritos, O Livro dos Médiuns, O Evangelho Segundo o Espiritismo, O Céu e o Inferno e A Gênese) editados pelo educador e pedagogo francês Hippolyte Léon Denizard Rivail, sob o pseudônimo Allan Kardec.

Fui lançado em Paris, em 18 de abril de 1857 e sou considerado uma obra básica da Doutrina Espírita.

Minha primeira edição continha 501 perguntas e me dividia em três partes: "Doutrina Espírita", "Leis Morais" e "Esperanças e Consolações".

A partir da minha segunda edição, lançada em 16 de março de 1860, com ampla revisão de Kardec mediante o contato com grupos espíritas de cerca de 15 países da Europa e das Américas é que apareceram as atuais 1.019 perguntas e respostas, lembrando que sou dividido em quatro livros, como comumente se dividiam as obras filosóficas à época, a saber:

I) Das causas primárias - abordando as noções de divindade, Criação e elementos fundamentais do Universo;

II) Do mundo dos Espíritos - analisando a noção de Espírito e toda a série de imperativos que se ligam a esse conceito, a finalidade de sua existência, seu potencial de auto-aperfeiçoamento, sua pré e sua pós-existência e ainda as relações que estabelece com a matéria (com os homens);

III) Das leis morais - trabalhando com o conceito de Leis de Ordem Moral a que estaria submetida toda a Criação, quais sejam as leis de adoração, trabalho, reprodução, conservação, destruição, sociedade, progresso, igualdade, liberdade e justiça, amor e caridade;

IV) Das esperanças e consolações - concluindo com ponderações acerca do futuro do homem, seu estado após a morte, as alegrias e obstáculos que encontra no além-túmulo.

Tomei a liberdade de me apresentar a fim de te responder algumas perguntas. Assim, por exemplo, se você quiser saber sobre o porquê da Existência, leia a Q. 132; ou, caso queira saber sobre um modelo de conduta, procure na Q. 624.

Se você ainda tiver curiosidade sobre os pactos com os Espíritos, Q. 549. Sobre o casamento, Q. 696; poligamia, Q. 700.

Mais adiante, posso esclarecer ainda sobre a inércia do ser quanto à vida e às leis do bem, basta olhar a Q. 642.

Também posso te dar uma ideia, de acordo com o seu grau de adiantamento no campo da compreensão espiritual, do que é Deus, na Q. 01. Ou ainda se o homem pode saber tudo sobre tudo, na Q. 17.

Sono, Q. 402; sonambulismo, Q. 425. De onde vieram os seres humanos? Q. 43. Os Espíritos podem influenciar os encarnados? Q. 459. Qual a ocupação dos Espíritos? Q. 558. A necessidade do trabalho? Q. 674. Os seus limites? Q. 683. Para que servem os bens materiais na Terra? Q. 712. Morrer dói? Q. 154. E sobre a preocupação com a morte? Q. 941. Existem anjos ou demônios? Q. 128. Reencarnação existe? Q. 166. Entre os Espíritos existem classes? Q. 96. Espírito tem sexo? Q. 200. Por que a diversidade das raças humanas? Q. 52. E as antipatias? Qs. 297, 303, 386 e 390. Onde se instruíram as pessoas superdotadas? Q. 361. Por que nascem na Terra loucos e idiotas? Q. 371. Podemos lembrar outras vidas? Q. 392. E o futuro pode ser revelado? Q. 868. É melhor ser pobre ou rico? Q. 814. E as desigualdades sociais? Q. 806. Por que as leis humanas são instáveis? Q. 895. E a pena de morte? Q. 760. E por que as guerras? Q. 742. E os grandes flagelos sociais? Q. 737. É bom ser egoísta? Mas, o que é o egoísmo? Q. 913. Como melhorar a vida? Q. 919. Falar com os mortos é profano? Q. 935. Paraíso existe? Q. 1.001. O que é felicidade? Q. 920. Afinal, para que serve o Espiritismo? Basta ver a conclusão final.

Por fim, gostaria de salientar que não tenho a pretensão de mudar hábitos ou ideias, mas sim informar humildemente um pouco sobre a Doutrina Espírita, hoje tão comentada, a fim de no futuro podermos dizer: Olhei e observei. Quem sabe se me convém? Eu mesmo!

Atendendo aos chamamentos das manifestações mediúnicas que se difundiam por toda a parte do Globo Terrestre, primeiro na Europa e depois na América, para que os intelectuais da época tivessem a curiosidade de pesquisar e estudar tais fatos como uma oportunidade de um despertar para a realidade da vida, na descoberta do verdadeiro caminho que o ser humano deveria seguir para o seu triunfo espiritual, em vez de encará-los como fenômenos sobrenaturais ou apresentações circenses (como divulgavam o "fenômeno" das comunicações do plano espiritual com o plano material na época), movido pela própria curiosidade de entender os acontecimentos, Kardec se propôs a iniciar um estudo sistematizado e meticuloso das respostas dadas por aqueles que chamou de Espíritos, por meio das diversas manifestações mediúnicas, através de diversos médiuns, e em diversas localidades de diversos países.

Assim, Kardec teve suficiente material para compor o obra de que vos falamos: "O Livro dos Espíritos".

"O Livro dos Espíritos" surgiu justamente na época do positivismo de August Comte (1844) e do materialismo histórico de Karl Marx (1867), em que a matéria era a forma mais lógica do pensamento científico daquele século, de modo que o livro de Kardec veio se contrapor aos intelectuais, visto que estes não aceitavam a fenomenologia de algo transcendental que buscava a transformação do espírito/alma em vez de alimentar a inferioridade.

Diante disso, Kardec buscou utilizar as técnicas científicas, tomando o máximo de cuidado na sua investigação pormenorizada, pois não tinha a menor intenção de bater de frente com aquela sociedade tradicionalista, conservadora e, sobretudo, sustentada pelos dogmas da Igreja, para não pairar dúvidas quanto à seriedade de seu trabalho e mostrar a todos que as mensagens que recebia eram de pessoas que viveram em um corpo físico e que agora estavam "mortas" (na linguagem popular), mas que, mesmo assim, podiam se comunicar com os que estavam "vivos" no Planeta, o que, como era natural, era muito difícil de muitos compreenderem.

Na capa da obra está o nome do autor, ou melhor explicando, o seu pseudônimo Allan Kardec, visto que o seu nome era Hippolyte Léon Denizard Rivail. Rivail optou por usar um pseudônimo para diferenciar sua temática (Espírita) da de suas obras anteriores, voltadas à educação e à pedagogia, como educador e pedagogo que era.

No cabeçalho, encontramos a inscrição "Filosofia Espiritualista" cuja razão de tal inscrição é o fato de que "O Livro dos Espíritos" contém a Doutrina Espírita como especialidade e, como generalidade, a obra se prende à doutrina espiritualista (vejamos que a doutrina espírita é diferente da doutrina espiritualista. Criados por Kardec, os termos "Espiritismo" e "Doutrina Espírita" encontram minuciosa explicação na Introdução de "O Livro dos Espíritos").

De uma grande profundidade filosófica e psicológica, "O Livro dos Espíritos" possui passagens e reflexões que vão muito além do nível de conhecimento ordinário de sua época de publicação, inclusive no que tange aos aspectos científicos da obra.

Apenas a exemplo, citemos de passagem a noção de "evolução das epécies vivas" dada pelos Espíritos e comentada por Kardec, publicada nesta obra (em "O Livro dos Espíritos") um ano antes do livro seminal de Charles Darwin, denominado de "A Origem das Espécies".

Também podemos citar, ainda, a questão da "identidade entre matéria e energia" (chamada por Kardec de "fluido universal"), as quais se diferenciam entre si apenas por um estado de condensação da energia, muito antes de Albert Einstein. A descrição de Kardec do fluido universal lembra a do conceito de "orgônio", ou "orgon", dado pelo psicanalista Wilhelm Reich, "pai da Bioenergética."

De igual modo, as noções de percepção de consciência como sendo diferentes manifestações de maturação psíquica lembra, e muito, as atuais abordagens da Psicologia, principalmente da chamada "Psicologia Transpessoal". Há momentos também que em que a apresentação da doutrina em "O Livro dos Espíritos" não fica a dever em nada às melhores teorias da personalidade da "Psicologia Moderna".

Da mesma forma, os fundamentos e as causas do processo da reencarnação são idênticos aos fundamentos e causas postulados por alguns psicoterapêutas (muitos dos quais não conhecem Kardec) e que, por meios de desenvolvimento e pesquisas diversas, a partir do atendimento clínico de pacientes, chegaram à técnica da Terapia de Vidas Passadas (TVP).

E a filosofia de vida que a doutrina estimula a adotarmos é, em muitos pontos, similar às condições propícias ao desenvolvimento da auto-atualização (reforma íntima) que é o lema de alguns psicólogos humanistas renomados.

A noção de animismo ainda aponta para o conceito de inconsciente que teve em Sigmund Freud seu mais sério teórico. A de evolução espiritual lembra o processo de individuação postulado pelo gênio de Carl Gustav Jung.

Mas, o que é ainda mais assombroso, é que Kardec logo reconheceria que seu estudo sobre a comunicação daqueles que chamou de Espíritos (ou forças inteligentes, como eles mesmos se diziam ser), estudo ao qual chamou de Espiritismo, não trazia nada de realmente novo, a não ser o fato de estes "fenômenos" serem vistos e entendidos sob a ótica moderna e científica, deixando de se apresentar como espetáculos circenses, maravilhosos e sobrenaturais.

Assim concluiu Kardec: "(...) Constituindo uma lei da natureza, os fenômenos estudados  pelo Espiritismo hão de ter existido desde a origem dos tempos e sempre nos esforçamos por demonstrar que dele se desdobrem sinais na antiguidade mais remota. Pitágoras, como se sabe, não foi o autor da mentempsicose (ou seja, da transmigração da alma pela reencarnação); ele o colheu dos filósofos indianos e dos egípcios, que o tinham desde tempos imemoráveis (...) o que não padece dúvidas é que uma ideia não atravessa séculos e séculos, e nem consegue impor-se à inteligências de escol, se não contiver algo de sério (...)" (Kardec, p. 143, de O Livro dos Espíritos, ed. FEB).

Também em "O Livro dos Espíritos" Kardec teceu comentários sobre a ancestralidade das ideias básicas do Espiritismo (Capítulo V) e, ainda, como os fenômenos ditos espíritas são universais.

Um dos mais antigos e claros registros, dentro da nossa tradição judaico-cristã, a respeito de que os fenômenos espíritas, especialmente o da comunicação entre "vivos" e "mortos", são mencionados e reconhecidos como existentes em todas as épocas da humanidade, qualquer que seja a cultura considerada, é a referência bíblica que está em 1 Samuel 28:7-19, onde Saul visita a pitonisa (médium) de En-Dor, que lhe possibilitou a comunicação com o espírito do profeta Samuel.

Além disso, a ideia da reencarnação, por exemplo, é tão antiga e universal quanto a própria humanidade (ver Capítulo V, de LE) e é a base de diversas tradições filosóficas e religiosas do Oriente, como o Budismo e o Hinduismo, e das religiões pré-cristãs da Europa, como a dos Druidas ou, posteriormente, baseado no cristianismo, o posicionamento de alguns pais da Igreja, antes do Concílio de Constantinopla, em 533, quando a doutrina reencarnacionista foi abolida por motivos políticos, mas que, ainda assim, é encontrada em figuras excepcionais da Igreja, como Orígenes de Alexandria, por exemplo.

Ainda houve a presença de alguns movimentos fortemente contestatórios da ação da Igreja Romana, como a de Cátaros, embora os conhecimentos antropológicos, históricos e sociológicos de seu tempo não permitissem que Kardec fosse muito mais além na análise destas tradições, filosofias e ocorrências históricas.

Kardec ainda fez absoluta questão de expor seus estudos de forma racional, sem cair nas armadilhas do discurso místico ordinário (este mais levado pela emoção e pela fantasia do que pela razão), a partir de fatos, fenômenos e percepções reais, com o máximo zelo à análise e ao cuidado da descrição dos mesmos a partir de sólidos referenciais lógicos.

Não era, portanto, a intenção de Kardec fundar uma religião. Para ele, "a ciência espírita compreende duas partes: uma experimental, relativa às manifestações em geral; a outra filosófica, relativa às manifestações inteligentes e suas consequências" (Kardec, in "O Livro dos Espíritos", tópico XVII, da Introdução).

O aspecto moral da doutrina, resultante da filosofia espírita, foi posteriormente confundido com o aspecto religioso. Por possibilitar, através de sua filosofia, uma religação efetiva com a dimensão espiritual do homem, o espiritismo permite usufruir ao seu estudioso um sentimento de religiosidade, no sentido latino do termo religare, ou seja, de se religar com algo superior, transcendente, que vai muito além do sentido atual da palavra religião, que é o que preenche de fato a doutrina espírita.

Kardec também nos fala que o Espiritismo é uma ciência e uma filosofia e, por essa razão, "é, pois, a mais potente auxiliar da religião" (Kardec, O Livro dos Espíritos, p. 111, da edição da FEB).

É assim, pois, que, não sendo uma religião em si, respeita todas as religiões, eis que elas são a expressão da ânsia humana pelo sublime e pelo transcendente.

Enfim, Kardec, em "O Livro dos Espíritos", criou as bases do movimento espírita que não condena ninguém, recebe a todos de braços abertos e, no entanto, busca esclarecer que a essência da vida, material ou não, sua realidade, não é algo transcendental, mas decorre de leis naturais universais.

Não devemos ter "O Livro dos Espíritos" como a verdade máxima de todas as verdades, mas um livro que ensina como descobrir o caminho da compreensão, da luz, e da felicidade.

Kardec tinha plena consciência do fato de que os conhecimentos adquiridos em seus estudos eram apenas o primeiro passo de uma longa jornada e, como nos fala o grande escritor Léon Denis em sua obra "Depois da Morte", no Capítulo XX, "a doutrina de Allan Kardec, nascida (como já assinalamos acima) da observação metódica, da experiência rigorosa, não se torna um sitema definido, imutável, fora e acima das conquistas futuras da ciência. Resultado combinado de conhecimentos dos dois mundos, de duas humanidades de planos paralelos penetrando-se uma na outra, ambas, porém, imperfeitas e a caminho do entendimento de verdades mais profundas, do desconhecido, a Doutrina dos Espíritos transforma-se sem cessar, pelo trabalho e pelo progresso, e (...) acha-se aberta às retificações, aos esclarecimentos do futuro."

Nada no Universo está inerte. Tudo caminha para a evolução e para o progresso. Da mesma forma as ciências também evoluem para uma compreensão mais holística do Homem e do Universo. Por essa razão temos que a Verdade é muito ampla para estar contida apenas nas obras do primeiro período da codificação.

Neste sentido, é bom relembrar mais algumas palavras do próprio Kardec: "O Espiritismo é uma doutrina filosófica de efeitos religiosos como qualquer filosofia espiritualista, pelo que forçosamente vai encontrar-se com as bases fundamentais de todas as religiões: Deus, a Alma e a Vida futura. Mas não é uma religião constituída, visto que não tem culto, nem rito, nem templos e que, entre seus adeptos reais, nenhum tomou o título de sacerdote ou de sumo sacerdote (...). O Espiritismo proclama a liberdade de consciência como direito natural; proclama-a para seus adéptos assim como para todas as pessoas. Respeita todas as convicções sinceras e faz questão de reciprocidade." (Kardec, in "Obras Póstumas" - Ligeira Resposta aos Detratores do Espiritismo, pp. 260 e 261, 21. edição, FEB).

Muita paz!

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